domingo, 9 de outubro de 2011

Um outro ponto de vista sobre o Rock in Rio


A quarta edição brasileira do Rock in Rio se revelou um objeto de análise tão rico que a tentação de quebrar o formato de postagens mensais aqui no blog falou mais alto. O evento disparou tantas questões que foi impossível fazer um recorte específico do tema. Pensando nisso, decidi escrever livremente as minhas impressões sobre a estrutura, sobre os shows, transmissão, etc., sem nenhuma pretensão de esgotar o assunto ou tonar essas mesmas impressões verdades absolutas.

Embora eu já fosse nascido na época das duas últimas edições (1991 e 2001), a pouca idade não me permitiu acompanhar e até mesmo me interessar por elas; o que é absolutamente compreensível. Comecei a trabalhar com música em 2002 e desde então passei a entender um pouco melhor a relevância de um evento como esse para o cenário musical do Brasil. Não pude estar fisicamente presente na Cidade do Rock, mas acompanhei as apresentações desde o primeiro e dia e assisti quase todas as atrações. Gostei mais de algumas e nem tanto de outras, ainda assim, o clima do festival é de tal forma contagiante que se torna muito difícil manter o “clubismo” diante de toda a sua magnitude. Aumentei o volume da TV e não tive nenhuma censura em pular na sala de estar em companhia da minha irmã Hanelore Seydel. Nos intervalos entre as bandas conversamos sobre o evento e as suas mais diversas proporções, as quais, a partir de agora, tenho o prazer de compartilhar com vocês.

Axé in Rio?

Uma das questões mais comentadas ao longo das duas semanas de Rock in Rio foi a presença de artistas de outros segmentos musicais. Além das badaladas pop stars Katy Perry, Rihanna, Kesha e Shakira, as principais representantes do Axé baiano também marcaram presença no Palco Mundo. As apresentações das cantoras Cláudia Leitte e Ivete Sangalo ganharam destaque por toda a rede, onde comentários e comparações, muitas vezes sem propósito, afastaram uma boa oportunidade de reflexão: o Rock in Rio deveria ser estritamente limitado ao rock ou é legítima a diversidade e participações de outros estilos?

Tentando não entrar no mérito da qualidade dos artistas, seria interessante pensar na possibilidade de um festival definitivamente roqueiro ou em um festival assumidamente eclético. Mas por que motivo os dirigentes preferem manter toda essa confusão, vendendo uma embalagem diferente do conteúdo? Talvez exista mais de uma resposta para essa pergunta, no entanto, acredito que o foco dessa questão esteja no público alvo, ou melhor, em um público alvo heterogêneo. O maior trunfo do Rock in Rio é a quantidade de bandas clássicas do rock mundial. Atrações internacionais de renome que são vistas com raridade até mesmo em seus países de origem. Seguindo a lógica do sistema, onde “quanto mais raro, mais caro”, o Rock in Rio garante seu principal público através da singularidade da ocasião. E já que estamos falando de bandas clássicas, com bastante tempo de estrada, seria natural idealizar a homogeneidade desse público, formado, em sua maioria, por adultos de classe média alta entre 40 e 60 anos de idade. Esse fato, em si, poderia invalidar o meu argumento inicial, mas é necessário entender a questão um pouco mais a fundo. Pensar que o público seria restrito só por estarmos tratando de bandas antigas é um equívoco, afinal, como já foi dito, elas são mais que simples bandas antigas, elas são bandas clássicas. Influenciaram as gerações posteriores e continuam acumulando fãs com o passar do tempo. Tudo isso garante aos geniais produtores do Rock in Rio o encontro de várias gerações, onde o que existe não é um “Clube do Bolinha” restrito aos papais roqueiros, mas sim uma festa para toda a família.



Resta-nos ainda uma explicação plausível para a presença das bandas de Axé e outros estilos no festival. Se pensarmos que os intervalos entre as gerações não são fixos e crianças nascem constantemente nessas famílias, não será difícil imaginar que furo as bandas de outros segmentos cobrem na logística do evento. Nem todas as crianças foram apresentadas ao rock tradicional e as que foram podem não ter afinidade com esse tipo de música, mas, já que os pais pretendem estar presentes, é preciso que haja atrações para essas crianças também. Não que a opinião ou gosto delas sejam, necessariamente, respeitados pelos pais e pelo festival, mas é preciso que elas tenham contato com o tipo de música que elas deverão ouvir a partir de então. Para isso não serviria o bom e velho rock and roll? Creio que não, até mesmo porque não é o bom e velho rock and roll que toca nas FMs do país. O Rock in Rio serve como uma grande vitrine da indústria e todos nós somos vistos como consumidores. Com as bandas clássicas e as sensações do rádio, os empresários terão garantia do público mais velho, do público mais jovem e, de lambuja, ainda conquistarão novos consumidores, afinal, não restam dúvidas de que mesmo o pior dos shows tenha causado impacto positivo na plateia; em um altar majestoso, qualquer homem vira Deus!

Rock sem política?        

Quando penso em rock and roll muitas imagens surgem à minha mente, desde as estereotipias da indumentária e comportamento até os ideais políticos. Talvez o rock seja um conjunto amplo disso tudo, permitindo algumas alterações e diversidades, é claro, mas acredito que, fundamentalmente, o rock não pode ser outra coisa senão um movimento político musical. A rebeldia inerente às letras e arranjos é uma das ferramentas mais importantes para a propagação das denúncias e reflexões que o movimento propõe. Rock é atitude no sentido da ação; é a loucura que grita através da arte o seu desejo de liberdade contra a opressão.

Durante as noite de Rock in Rio me flagrei refletindo sobre o que estava vendo e por diversas vezes cheguei a me perguntar: onde está o rock? O encontrei algumas vezes, é verdade, já que estava assistindo ao vivo e podia acompanhar o que acontecia no palco. Como não tenho TV fechada, assisti às primeiras atrações pela internet e acompanhei os últimos shows através da Rede Globo. Notei que na programação havia sempre o resgate dos melhores momentos desses primeiros shows, mas o que eles exibiam eram somente aquelas músicas massificadas pelas rádios. Até mesmo as bandas que tinham trazido em seu repertório ou em suas falas algum conteúdo político, nessas reprises, tinham apenas os seus hits radiofônicos exibidos, ou seja, para o grande público brasileiro que não tem acesso à TV fechada e à internet, só foi permitido ouvir o que a mídia consentiu, logo, a principal qualidade do evento desceu pelo ralo.

Que o Rock in Rio não é um evento de rock isso já deve ter ficado claro, mas o que pensar das bandas desse segmento que lá se apresentaram e pouco fizeram valer a oportunidade de trazer para uma quantidade incalculável de pessoas maior riqueza de conteúdo? Meu amigo Lucas Andrade, em uma das nossas boas conversas, trouxe uma sugestão: ao menos em eventos com transmissão em mídias de massa os artistas poderiam abrir mão dos seus hits e tocar somente aquilo que é de relevância política e social. Isso, além de trazer novas ideias para as pessoas, ampliaria o conhecimento de sua própria obra. O artista não mais seria refém do seu “lado A” e incentivaria o interesse do público para coisas que estão além da TV e do rádio. Fora isso, o Rock in Rio, ou qualquer outro festival do tipo, vai apenas continuar existindo como um grande show de entretenimento; diversão alienada para todos nós e bilhões de reais para os cofres dos criadores e patrocinadores.




Cidades do Rock?

O Rock in Rio tem tanto potencial para ser mais do que é, no sentido político da coisa, que chego a idealizar festivais desse tipo por todo o país. Não conheço a estrutura de muitos estados e cidades do Brasil, é verdade, mas a convite do meu amigo Junio Queiroz exponho a situação de Salvador. Conhecida como a “capital da alegria”, a cidade tem traços culturais internacionalmente conhecidos. Nossas festas se destacam no calendário turístico do país e daqui saíram grandes nomes da música brasileira. Atualmente a principal representação disso é o Carnaval, que é maior festa de rua do planeta e o local de encontro dos principais nomes da música baiana da nova geração. Infelizmente o Carnaval apresenta valores políticos avessos aos ideais (ver em A Máscara do Carnaval), mas a sua estrutura poderosa me leva a crer que podemos seguir por outro caminho.

O Carnaval, enquanto festa popular (ao menos deveria ser) é um bom exemplo da utilização "bem sucedida" de espaços públicos da cidade. É claro que empresas privadas tomam a dianteira da realização do evento, entretanto, o valor exorbitante de imposto que pagamos seria absolutamente suficiente para que isso acontecesse sem suas interferências. Nem o Carnaval nem o Rock in Rio precisam ser bens privados e restritos às cidades de origem. Em Salvador existe manifesta carência de espaços onde eventos grandes possam acontecer, os poucos que existem pertencem à iniciativa privada e acabam saindo caro demais para os bolsos do cidadão, logo, somos sempre impedidos do acesso à cultura diversificada e gratuita.




Parece um tanto fantasioso imaginar o Rock in Rio em Salvador. As pessoas talvez acreditem que não existe público interessado nesse tipo de música, muito menos um público com o poder aquisitivo requerido. É possível que elas estejam certas, mas até quando vamos aceitar esse tipo de negação aos nossos direitos de cultura diversa que, se não gratuita, seja ao menos barata? Para acontecer em Salvador, um evento como esse nem precisa levar a marca do Rock in Rio. É provado que podemos lotar praças e avenidas públicas e é justo que nos seja acessível qualquer tipo de evento artístico, musical, cultural e político sem nenhuma interferência partidária com as suas intenções mercenárias. Eventos como esse trariam para o povo benefícios incontáveis, principalmente na forma de enxergar a realidade. Pensando nisso não é difícil entender a razão para tantas transmissões superficiais e a negação da realização de eventos assim por todo o país. Não é interessante que o povo entenda de política. Na verdade é interessante que o povo não entenda nada, que nunca aprenda a pensar. Que ouça sempre as mesmas canções inofensivas e se torne tão inofensivo quanto elas.

As três últimas semanas mexeram profundamente comigo e ao longo delas me flagrei aos devaneios. Imaginei um evento com grande palco, grandes bandas, grandes discursos e grande público. Um evento grande justamente porque traz dentro de si toda a grandeza de uma utopia absolutamente possível.

“Eu sou a voz que quer apertar o cerco e explodir toda essa espécie de veneno chamado caretice”


E você, o que achou do Rock in Rio 2011? Conte aqui a estrutura da sua cidade, os shows que mais te marcou, as melhores lembranças... Participe, comente, deixe a sua sugestão...

3 comentários:

  1. Belíssima análise. Quem sabe um dia isso se torna realidade.

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  2. Parabéns Klaus por mais uma publicação e pelo ótimo texto! É sempre satisfatório visitar seu blog e prestigiar suas idéias.

    Um abraço

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  3. O que seriam os artistas, os eventos, a politica sem a mass media? Apesar da peneira com o acesso, os meios de comunicacao sao pontos chaves na difusao dos conteudos fornecidos. Sim, é fato que a informacao apesar de ser seletiva existe e é fundamental para publico e artista, é gracas a ela ,por exemplo, que uma adolescente de 13 anos sai do interior da Bahia para ver Justin Bieber em Sao Paulo. Nao estou enveredando para a analise critica e pessoal, enfatizo e lamento apenas a importancia de uma midia que infelizmente ainda é controlada.

    Mas, por falar na fabrica de dinheiro chamada Rock in Rio, seria uma blasfemia acreditar que o evento se restrigeria ao ROCK. Nao é que o evento se restringa ao rock, é que os pescadores nao vao remar contra maré. De uma maneira bem brusca, posso encerrar meu comentario dizendo que os idealizadores do evento( familia Medina e os demais) nao estao "cagando e andando" se o evento é ROCK in Rio, In Axé, In Samba,etc ... A verdade é que a essencia do evento é o cifrao!!!

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