segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O 3º aniversário



"O mundo é opaco para a consciência ingênua que se detém nas primeiras camadas do real"
Ecléa Bosi

Embora a crença em superstições – ou qualquer outra coisa de caráter sobrenatural – não faça parte do meu dia a dia, confesso sustentar ligeira simpatia pelo número 3. As coincidências acerca deste número ao longo da minha vida já seriam o suficiente para tomar a data de hoje como especial, mas a peculiaridade da ocasião mostra-se significativa e digna de uma celebração, mesmo que apenas simbólica.

Três anos se passaram desde as semifinais e o fim da minha participação na terceira edição do Programa Ídolos, na Rede Record. E aí, talvez, vocês devam estar se perguntando: “por que ressaltar a saída, e não a entrada no programa?”. Na verdade a resposta é simples: Excluindo o fato de que não tenho certeza sobre a data de ingresso, privilegio a saída pela importância no meu amadurecimento e modo de pensar. Considero esse dia como o dia do rompimento com antigas visões e o início de um percurso que me libertaria. Comemoro, especificamente, uma data que desencadeou uma série de questionamentos, reflexões e até mesmo algum conhecimento, que, inclusive, tenho o privilégio de compartilhar com vocês há pouco menos de um ano. Comemoro algo maior que o final de um ciclo, comemoro, enfim, a gênese da minha verdadeira liberdade artística.

Trago então uma breve narrativa dos fatos vividos entre maio e Setembro do ano de 2008:

O segundo trimestre daquele ano vinha se arrastando lentamente, nem um pouco diferente do anterior. As novidades e descobertas do mundo acadêmico preservavam em mim ainda algum prazer, mas a rotina de funcionário de shopping e vendedor de roupas era absolutamente desgastante e alienada. A Alpha 3, primeira banda que participei, havia terminado há alguns meses, após o marcante período de 6 anos, e um novo projeto, chamado Estação 5, iniciava-se. Aos 20 anos, calouro na vida adulta, por sorte não estava sozinho.

Submetido a um cotidiano semelhante ao meu, Rafael Barreto, amigo de infância, ex-colega de escola e ex-parceiro de banda, agora estudava comigo na mesma faculdade e trabalhava na área de vendas – encontrava-se afastado desde que sofrera um aneurisma, em Março do mesmo ano. Certa noite, enquanto voltávamos para casa de ônibus, contou-me sobre as inscrições no Programa Ídolos, que tinha descoberto através de seu primo Anderson. Conversamos um pouco sobre o assunto e não demorou até que decidíssemos fazer as inscrições e participar. Faltei no trabalho e juntos fomos encarar a longa fila em frente ao Othon Palace Hotel, na orla de Salvador. Assim como todos ali presentes, ainda nem fazíamos oficialmente parte do programa, mas, sem perceber, já estávamos sendo submetidos às torturas físicas e psicológicas do reality show. Passaram-se horas até que conseguíssemos efetivar a inscrição e víamos, ao redor, pessoas animadas cantando todo o tempo, provavelmente esperançosas de serem filmadas durante a gravação de algum dos programas locais que cobriam o começo da empreitada.

O dia seguinte começara tão cedo quanto o anterior e prometia ser ainda mais longo. Em companhia de alguns amigos cantores, rumamos para o Estádio Manoel Barradas (Barradão), local em que as audições estavam previstas para terem início às 7h da manhã – mal sabíamos, quando os portões do Estádio foram abertos e nos “acomodaram” em uma das arquibancadas, que não havia previsão para o fim. Devíamos somar aproximadamente 3 mil pessoas e o sol típico da cidade não decepcionou. Em um estádio de futebol, como se pode imaginar, não há sombras e lá permanecemos até o fim da tarde. Ao contrário do que muitos fãs idealizam, a audição frente aos jurados não é, de fato, a primeira etapa do programa. Nenhum de nós concebia isso e tamanho choque de realidade nos fez perceber que aquilo realmente não era um sonho. Estávamos, irremediavelmente, vivendo os bastidores de uma competição que nem de longe tinha o fetiche que as milagrosas edições transmitem aos espectadores. Por fim, fomos ouvidos por professores de canto e produtores que se dividiam em dez tendas espalhadas na lateral do gramado. Por uma incrível coincidência fui ouvido por um antigo professor de canto, este não chegou a me reconhecer e fui aprovado após cantar a música “Não Quero Dinheiro”, de Tim Maia. Dentre os amigos, alguns de muita qualidade acabaram por ser eliminados e o leitor, imagino eu, já deve saber o porquê: a audição com os jurados oficiais, primeira etapa transmitida pela televisão, exibe, geralmente, grande parte dos concorrentes com características humorísticas. Nenhum deles vai parar lá por acaso. Assim como os de grande talento, candidatos cômicos são escolhidos a dedo nessa primeira grande peneira. Muita gente de qualidade é eliminada precocemente para dar lugar aos candidatos engraçados e garantir o entretenimento e a audiência do programa.

Para o segundo dia de audições tínhamos um número menor de concorrentes, mas isso não facilitava o jogo. Estávamos de volta ao Othon Palace Hotel e assim como no dia anterior as vagas estavam destinadas aos melhores cantores e aos mais engraçados. Dessa vez cantaríamos para os diretores, simulando a audição com jurados que aconteceria no dia seguinte no estúdio oficial. Servia para testar a nossa imagem em vídeo e o comportamento naquela situação. O número reduzido de participantes não fez diminuir o tempo de espera e passamos o dia inteiro naquela mesma situação de ansiedade, fome e cansaço dos dois dias passados. Já era noite quando chegou a minha vez e cantei “Exagerado”, de Cazuza. Fui novamente aprovado e recebi dos diretores a dica mais clichê para quem sempre canta essa música: “Seja mais exagerado!”. Concordei com eles e para o dia seguinte decidi não arriscar cometer exageros, nem de menos, nem demais.

Eis que chega o dia mais importante da primeira fase. Rafael, que teve a sua audição com os jurados agendada para o dia seguinte, não estava presente. Devíamos totalizar aproximadamente 100 concorrentes que aos poucos eram chamados em grupos de 10 para o andar superior. Lentamente a grande maioria descia desolada de volta ao salão de espera e a sensação que causavam em todos que ainda aguardavam a sua vez era terrível. Não restavam dúvidas de que tudo ali era planejado para aumentar o nosso nervosismo e ansiedade. Com tanta gente talentosa e determinada era necessário enfraquecer a maioria e fazê-los desistir por si próprios, afinal, eles buscavam alguns para depois escolherem apenas um. Vencer se tornaria a exceção. Perder era a regra!

Por volta das 19h, absolutamente cansado, ouvi chamarem o meu número e junto com mais nove concorrentes fui conduzido ao segundo andar. Havia uma fila com mais uns vinte participantes e o ar condicionado era congelante; o motivo, como sempre, imagino eu, era preservar as máquinas e adoecer os seres humanos. Já era tarde e restavam poucos candidatos a serem ouvidos, o número de aprovados parecia ser o suficiente e logo na minha frente mais um recebeu o passaporte para a Fase do Teatro, em São Paulo. Entrei no estúdio muito nervoso e me deparei com os jurados e mais de uma dúzia de pessoas atrás das câmeras e dos equipamentos de iluminação. Cantei uma das minhas canções favoritas, “Sorri”, versão de Djavan para “Smile”, de Charles Chaplin, e aguardei os votos. O primeiro foi um “sim” de Marco Camargo e não sei se isso me deixou mais calmo ou mais ansioso. Restavam dois votos e o próximo, de Luiz Calainho, foi “não”. O último, sob responsabilidade da única mulher do júri, Paula Lima, foi o mais demorado. Senti que estavam criando suspense com aquela situação. Paula me elogiou, demonstrou dúvida e demorou a tomar sua decisão. Apesar de ter gostado de mim, disse que me sentiu cansado e desanimado. Respirou e me reprovou.

O lado de fora parecia agora menos frio. Na verdade a percepção das coisas ao meu redor estava difusa, sem foco e sem som. Apenas um borrão de cores e mil coisas na cabeça. A única coisa que via com nitidez era a banca onde os concorrentes eliminados deveriam passar para que lhe cortassem a pulseira de identificação. Lembro de ter estendido o meu pulso e sentir a lâmina da tesoura quando alguém de camisa vermelha tocou o meu ombro: uma das produtoras viera me buscar para uma segunda chance. Senti a descarga de adrenalina no meu corpo e não tinha ideia do que cantar, já que só tinha preparado uma única canção. Colocaram-me novamente na porta do estúdio e entrei tentando esboçar mais segurança e animação. Explicaram-me que houve uma discussão sobre mim e decidiram me ouvir novamente. Aceitei a chance como a última e escolhi uma canção do Jota Quest, minha banda favorita na época. Recebi a mesma crítica da oportunidade anterior e pediram que eu cantasse algo menos romântico. Gostei da ideia porque me permitiria disfarçar o tremor na voz causado pelo nervosismo, mas ao cantar novamente a música “Exagerado”, Marco Camargo insistiu para que eu continuasse em uma linha mais suave. Esse jogo não estava me ajudando em nada. Cantei mais algumas e fui muito mal em todas elas. Não havia tempo para pensar e cantei o que veio à mente. Houve nova votação que seguiu a mesma ordem e as mesmas respostas até Luiz Calainho e o mesmo suspense de Paula Lima. Optaram por permanecer com o primeiro vídeo e recebi o segundo “sim”. Minha viagem para São Paulo e vaga na próxima fase estava garantida.

Após a aprovação, passei por uma sessão de fotos e entrevista. Eles perguntavam sobre qualquer coisa, inclusive histórias tristes, pois tudo seria usado para ilustrar a “novela” quando fosse ao ar. Quando me liberaram corri para a faculdade e ainda tive tempo de acompanhar as últimas aulas. Contei a novidade para os amigos e para Rafael. No dia seguinte recebi um telefonema da produção para acompanhar a sua audição e felizmente o resultado foi positivo. Era notável uma ligeira predileção por ele e a sua marcante história de vida ajudou a construir o principal enredo do programa.

Houve um grande intervalo até a fase seguinte. Nesse meio tempo pedi demissão e tranquei a faculdade. Cumpri o aviso prévio e recebi, no final do mês, com os devidos descontos por faltas e pela camisa que retirei para usar nas gravações, o ridículo salário de R$250,00 (como recebia por comissão, raramente ganhava mais que R$500,00). Aproveitei o tempo livre para me dedicar à Estação 5, ensaiar e estudar canto. Logo recebi um e-mail da produção com informações sobre a nova fase e a recomendação de escolher a próxima música – em breve eles retornariam o contato com as informações da viagem e do vôo. Foi a primeira vez que entrei em um avião e fazer isso através da música foi muito gratificante.

A Fase do Teatro aconteceria em três etapas: top 100, top 70 e top 45. Na primeira, grupos de 10 apresentar-se-iam em sequência e sem acompanhamento instrumental. Enfileirávamos no palco e dávamos um passo à frente na nossa devida vez. Por coincidência, fiquei no mesmo grupo de Rafael e, entre nós, apenas uma menina foi eliminada. Escolhi para essa fase outra canção de Djavan, “Seduzir”, que considero minha melhor apresentação no programa, mas que, infelizmente, foi cortada da edição. No fim da noite tínhamos os 70 participantes aprovados e as informações para o dia seguinte: deveríamos formar pares e escolher dentre algumas opções pré-estabelecidas. As apresentações começariam logo de manhã e só havia a madrugada para ensaiar. Alguns bolavam performances mais teatrais e outros quase não ensaiaram, contudo, ainda assim, era obrigatório passar pela professora de canto e pelo maestro da banda para que ficasse decidido a tonalidade da música a ser apresentada. Nesse período de espera foi distribuída outra lista de canções diferentes para homens e mulheres, pois já deveríamos ir ensaiando para a última apresentação, caso fossemos aprovados, e as duas etapas seriam no mesmo dia. Junto com Keyla, cantei “É Isso Aí”, versão de Ana Carolina e Seu Jorge para a música “The Blower's Daughter”, de Damien Rice. Novamente fui aprovado, mas minha parceira, infelizmente, encerrou a sua participação no programa. Como não era permitido despedidas, o palco foi o último lugar onde vi Keyla. Tive que conter a porção de sentimentos naquele momento e a alegria por continuar e a tristeza por vê-la eliminada tiveram que ser reprimidas pela descarga absurda de ansiedade e tensão pelo que vinha em seguida. Seria a última etapa do teatro e valia uma vaga para as semifinais.

A longa espera me fez cair no sono. Restavam agora 45 participantes e as conversas já não faziam muito sentido. Alguns tentavam demonstrar segurança cantando e outros ensaiavam compulsivamente. Mais tarde formaram a fila e de um em um cantávamos sozinhos acompanhados apenas por um playback. Éramos nós e a imensidão daquele palco diante dos 3 jurados a alguns metros de distância. Algumas apresentações foram excelentes e podia-se ter uma ideia de quem estaria entre os 30 classificados. Entre as opções dadas, escolhi “Amor Maior”, do Jota Quest, e o resultado foi dramático. Após o encerramento das apresentações houve um longo tempo de espera até que os jurados chegassem a uma decisão. Fomos divididos em grupos de 5 e chamados ao palco. Ninguém voltava e era impossível saber quem e quantos já tinham sido aprovados. Restou para mim o último quinteto. Os outros quatro haviam cometidos erros e era provável que fossem eliminados. Eu suspeitava que não sobraria nenhum de nós. Ao chegarmos ao palco descobrimos que nessa etapa a eliminação seria por grupo, ou seja, passaríamos ou perderíamos os cinco, e isso foi assustador. Na plateia havia uma boa quantidade de participantes, mas não dava pra contá-los. Os jurados começaram a comentar nossas apresentações e foram justamente as críticas que tiveram destaque. Eu não consigo recordar o que eles disseram e aposto que meus companheiros também não. Alguém havia contado que 25 pessoas ocupavam as cadeiras, ninguém queria ter certeza antes do resultado oficial até que, por fim, ele veio. Éramos os últimos aprovados e completávamos os 30 semifinalistas.

Voltamos para nossas cidades com muito orgulho nas malas, muitas histórias para contar e com pressa para trabalhar. Muitos preparativos precisavam ser feitos antes do programa ir ao ar, afinal, todos ambicionavam permanecer até a grande final em dezembro. O programa teve sua estréia em agosto e aos poucos íamos conhecendo melhor a história dos nossos concorrentes. Com o passar dos episódios algumas coisas ficaram inegavelmente claras; enquanto alguns eram nitidamente privilegiados pela edição, outros eram proporcionalmente escondidos, e tenho que revelar que me vi pertencer ao segundo grupo. Amigos me telefonavam chateados com a situação e eu só podia pedir para que continuassem assistindo. Minha audição só foi ao ar no resumo final antes da Fase do Teatro, com apenas alguns segundos, e nada mais foi mostrado. Nas vésperas da viagem, aguardei ansioso para ver a minha apresentação no top 100, afinal, já havia menos candidatos e tempo de sobra para dar destaque a todos. Na verdade, um terrível engano meu; exibiram toda a etapa do teatro em dois dias e, dessa vez, nenhuma das minhas três apresentações foi ao ar.

Viajei para São Paulo desgostoso com o programa e muito frustrado. Por mais que tentasse ser otimista, no fundo sentia não ter mais nenhuma possibilidade de vencer. Rafael não foi chamado e percebi que novamente haveria divisão por grupos na semifinal. Não sabia ao certo quem seriam os adversários e só ao chegar no hotel a informação foi revelada: Allan Lopes, Geisi Rios, Lorena Chaves, Maiquell Zafanelli, Pedrinho Black, Rafael Bernardo, Ricardo Fé, Sarah Raquel e Thaís Barja somavam-se a mim no primeiro grupo do top 30.

Compartilhamos uma semana maravilhosa e tornamo-nos grandes amigos. A rotina era cansativa, mas sobrava tempo para ficarmos juntos cantando, conversando e até mesmo jogando vídeo game. Assistíamos incansavelmente os DVDs que Ricardo Fé gravara com todos os episódios, fomos ao ensaio com a banda, escolhemos o vestuário da apresentação, recebemos orientações da professora de canto e tudo parecia ser infinito deleite. A fantasia estava ameaçada com os dias que viriam: gravaríamos as apresentações e, no dia seguinte, o programa de eliminação e classificados para o top 10. Antes da gravação todos nós repassamos nossas músicas com a banda para conferir o som, microfones, retornos, etc. Fomos orientados sobre o posicionamento das câmeras, iluminação e a marcação do palco, que era pequeno e circular, rodeado por uma plateia bastante empolgada. Tínhamos apenas alguns minutos para tudo isso, afinal, com dez cantores na noite e a necessidade de preservar espaço para outros quadros, as canções tiveram a sua duração reduzida. Já com o programa em andamento, fui um dos últimos a cantar e não consegui controlar o nervosismo, inimigo íntimo desde o início dessa aventura. Cantei um dos mais conhecidos hits de Lulu Santos, a música “Um Certo Alguém”, no entanto a preocupação demasiada com a encenação no palco me levou a cometer alguns deslizes graves no final e isso me prejudicou consideravelmente. Atribuo somente a mim esses erros técnicos, mas recordo ter dificuldades de ouvir a minha própria voz nas caixas de retorno. Penso que em um programa com tais recursos financeiros, um ponto ou um simples fone de ouvido seriam de maior proveito. Ao final da apresentação, vieram os comentários obrigatórios dos jurados, sempre profundos e muito ricos em conteúdo artístico, se me permitem a ironia. Paula Lima elogiou a minha energia no palco, que ela ainda não conhecia, mas concluiu advertindo os meus erros de afinação. Luiz Calainho e Marco Camargo não pouparam críticas e aquilo me abalou profundamente. Tenho consciência de que foi uma apresentação ruim, mas a forma que o programa lida com as críticas, em geral, chega a fazer fronteira com a humilhação. Ao final da noite voltamos para o hotel praticamente em silêncio. Nem todo mundo tinha tido um bom aproveitamento e a nossa permanência dependia exclusivamente do público brasileiro. Qualquer coisa poderia acontecer e isso era angustiante. De repente, os episódios da semana anterior que pareciam ter sido há tanto tempo voltaram a minha memória com toda a força. Mal consegui dormir e o dia seguinte seria decisivo.

Entramos no estúdio para gravar e tudo aconteceu de forma descontraída até o anúncio dos três classificados. Rodrigo Faro, apresentador do programa, fez o suspense já familiar e relembrou as considerações dos jurados na noite anterior. Por fim, Rafael Bernardo, Lorena Chaves e Pedrinho Black foram contemplados pelo público e a única possibilidade de continuar era ser escolhido pelos jurados para fazer parte da repescagem. Os jurados, talvez pelo tempo reduzido, dessa vez economizaram na dramatização e decidiram-se por dar uma segunda oportunidade à Sarah Raquel e Geisi Rios. Não havia mais o que fazer. Era o fim da odisséia. Retiramo-nos rumo ao camarim e as lágrimas se impuseram como a principal presença no local. Era triste olhar para trás e ver um longo período de sonhos e investimentos ruir. Não era fácil, principalmente, ter que novamente abraçar amigos recentes pela última vez. A única perspectiva era voltar para casa, retomar os estudos e procurar um novo emprego. O dia 26 de setembro de 2008 ficou marcado na minha memória pela profunda tristeza que causou. Tristeza tão constante que impedia outros pensamentos e me levariam, mesmo sem que eu soubesse, à liberdade.

Precisei mergulhar nos recantos mais obscuros da minha melancolia para recriar os alicerces dos meus valores. Retornei ao ponto zero inúmeras vezes até que as coisas fizessem algum sentido. Era imperativo entender a lógica do mercado que permanece ininteligível até mesmo para quem faz parte dele. Eu sabia que seria um longo e indeterminado percurso e estava disposto a percorrê-lo. Em dezembro, com muita alegria, vi o meu amigo Rafael Barreto vencer o programa, que agora chegara ao seu fim, mas que, definitivamente, mudaria a vida de todos que passaram por ele.

Renovei minha matrícula na faculdade e espontaneamente discussões e literaturas apresentaram-me novas perspectivas. Pesquisei, refleti e voltei a compor. Dediquei-me a analisar o significado e a função de um ídolo segundo o senso comum e a ideologia do programa. Concluí não ser correta a premissa de que um ídolo precisa, obrigatoriamente, sofrer para conquistar o sucesso. Até acredito que os artistas, em geral, possuem lá os seus sofrimentos particulares, mas não que isto deva necessariamente existir como etapa prévia ao reconhecimento. Plantar a ideia de que um ídolo precisa aprender a lidar com sofrimento psicológico e físico, ficar exposto ao sol sem proteção, enfrentar filas por horas e não ter o direito de descanso é um completo absurdo. Supor que um ídolo deva ter entre 18 e 25 anos é tratar a música como um produto perecível qualquer e isso só pode ser mais uma ideia a serviço da economia e sua inesgotável habilidade para criar necessidades de consumo. Estipular um determinado perfil estético como padrão é reforçar todo o preconceito que há séculos corrói a nossa sociedade e naturaliza a divisão de classes. Produzir, participar e assistir programas de televisão com esse formato é um total desrespeito à humanidade. Será mesmo que temos o direito de gozar e nos entreter com o sofrimento e a humilhação dos outros? Posso não saber o que é um ídolo, mas sei exatamente o que ele não deveria ser.

Encontrei no aniversário de três anos da minha eliminação do Programas Ídolos a oportunidade para declarar a origem dos pensamentos que aqui publico. Vocês devem ter percebido, ao longo do texto, a reincidência do número 3 e, assim como eu, perceberam que isso nada tem de relevante. E ainda que a sorte tome partido das minhas ideias e diga sim aos meus ideais, ainda será necessário transformar as práticas. Pensando nisso, afastei-me das possibilidades do sucesso fácil e desmoralizado. Entendi o significado da arte e a sua importância para a emancipação da sociedade. Comprei briga com todos aqueles que se julgam ídolos enquanto se preocupam exclusivamente com seus próprios bolsos, exploram seus fãs e alienam uma geração. Renunciei aos prazeres da fama e do sucesso sem propósito em nome da responsabilidade adquirida através do conhecimento. Dedico-me hoje a minha formação acadêmica, a este blog crítico e a projetos musicais que julgo serem relevantes e condizentes aos meus ideais. Encontro-me afastado dos palcos, mas sempre ao lado da arte, e talvez a sorte só esteja esperando isso de todos nós para fazer a parte dela.




"Quinze minutos de fama, mais um pros comerciais.
Quinze minutos de fama, depois descanse em paz.
Os bons meninos de hoje eram os rebeldes da outra estação
O ilustre desconhecido é o novo ídolo do próximo verão.
Não importa contradição, o que importa é televisão
Dizem que não há nada que você não se acostume
CALA A BOCA E AUMENTA O VOLUME ENTÃO!"


11 comentários:

  1. Klaus,te dar os parabéns por mais uma ótima publicação no blog é pouco. Quero te parabenizar é por todas as fases que vc e seus amigos com o mesmo sonho em comum passaram. Por essa história bonita que contou, ao mesmo tempo "triste" ao mesmo tempo aventureira, ao mesmo tempo de aprendizado e que com esses três anos fez vc amadurecer e ter outra visão da vida. Parabéns mesmo pelo belo texto. Quanto mais eu lia mais curiosidade eu tinha para saber os detalhe desse resumo que vc fez. Quem assisti ao ídolos não faz idéia o que de fato vcs passaram lá. Vcs foram gurreiros sonhadores com certeza, pq não é qualquer um que aguenta viver essa mistura de sonho, ansiedade, nervosismo, pressão, dúvida enfim...Parabéns pela história real que vc viveu.
    Bjos

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  2. Melhor, adorei o post. É muito interessante transitir essa mensagem, porque acho que quase ninguem sabe o que voces passaram lá dentro. Enfim, a cada dia que se passa... tenho mais orgulho! E ah... AMEI o vídeo. Beijosss. Alê

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  3. Adorei sua história...o negócio é bem assim mesmo, ja ouvi outras tantas parecidas com a sua...Sou fã incondicional do Saulo Roston. No ano passado acompanhei o programa mais de perrto indo na plateia...E na aproximação com as familias soube de muitas coisas, é dificil mesmo, e admiro vc por seu pensamento HOJE, e admiro todos aqueles que tem garra e foi até o fim. deus te abençoe SEMPRE
    beijo

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  4. Quanto mais eu lia,mais vontade dava de ler e saber mais. Muito interessante, e o legal é que você tem a preocupação de mostrar todos os detalhes,e isso nos prende a leitura. Você usa de argumentos verdadeiros e que são incríveis. Amei mesmo.Parabéns!

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  5. Caramba! Vocês não têm ideia da felicidade que é ler os comentários de vocês aqui. Felizmente estou conseguindo trazer novas pessoas para participarem e debaterem. Fiquei muito contente por saber que gostaram do texto. É isso aí, meninas, este blog é pra vocês! Voltem sempre e participem quando quiserem. : )

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  6. Meu querido amigo você é muito bom, isso só é o início de um futuro espetacular!!!

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  7. Querido amigo Klaus, só hoje tive a oportunidade de ler toda sua prudente e louvável narrativa de sua e de milhares de pessoas que levam seus sonhos até ao programa Ídolos e no final são massacrados. Realmente atrás das cameras a realidade é bem diferente de tudo que se mostra para o mundo.
    Tenho certeza que nada em nossas vidas acontecem por um acaso, e voce foi muito maior do que todos que organizam e fazem parte deste mediocres programas. Você com sua inteligencia, maturidade e profissionalismo não permitiu o que eles tentaram te convencer a "derrota". Muito pelo contrário pegou tudo isso e transformou em
    Vitoria. Beijos te amo e sucesso.

    Sandrinha Muniz.

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  8. O tempo nos dirá 'talvez', e a morte nos dirá que 'não'.

    Parabéns!

    Seguindo!

    F.

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  9. A primeira coisa que pensei quando vi o seu texto foi: “Nossa! Como está grande!”. Com a correria a que estamos submetidos no nosso cotidiano, é difícil conseguirmos dedicar um tempo para leitura de alguma coisa, ainda mais quando se trata de algo relativamente longo. Mas dediquei um tempo do meu dia para ler a sua postagem e não me arrependo. Quanto mais eu lia, mais me entretia. Não querendo parecer clichê ou repetitiva com o que já foi dito em comentários anteriores, mas verdade precisa ser dita. O conteúdo vai prendendo o leitor à medida que passa, deixando-o ansioso para conhecer o restante da história. E não foi diferente comigo.

    Concordo com o que foi dito e acho muito interessante postagens desse tipo, que visem acrescentar ao leitor, mostrar algo que vai além do seu conhecimento. E quando se vivencia essa realidade, é ainda melhor, pois há grande propriedade para falar sobre o assunto. Cá pra nós, muitas pessoas precisam mesmo ser alertadas sobre isso, para tentar sair um pouco desse mundo de alienação que a TV nos impõe.

    Parabéns pela idéia de falar sobre esse tema, pelos argumentos utilizados e pela forma abordada. E porque não dizer, pela sua passagem pelo programa, que foi, afinal, o que proporcionou esse seu tão importante amadurecimento e consequentemente a realização deste texto tão interessante que trouxe para nós.

    E retomando o que eu disse no início sobre o seu texto estar grande, para um comentário, o meu ficou um tanto longo também, rsrs. Mas diante da riqueza do que foi lido, não podia ser diferente.

    Beijos, sucesso e continue assim! ;)

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  10. Olá Klaus,

    Primeira vez que venho aqui.
    E quero lhe dizer que nada do que vc disse aqui me surpreendeu, pois eu já sei como funciona os bastidores, já trabalhei em algumas emissoras e sei bem como é isso. Na tv é tudo combinado, e as pessoas são manipuladas, tanto as que participam quanto as que assistem.
    Acompanhei o Ídolos na edição em que você participou, torcia por você e pelo Rafael, porém conhecendo bem como as coisas funcionam, desde o começo falei que quem ganharia seria o Rafael, não que ele não merecesse, ele tem uma voz linda, é afinado e maravilhoso...Porém, eles não querem comprar uma beleza ou uma voz, e sim o conjunto disso tudo, unido ao principal que fez Rafael ganhar "a triste história do aneurisma", quando ele relatou isso, ali ele já era o vencedor. A realidade é dura, e injusta com os demais candidatos e fãns, porém não posso usar de hipocrisia e fingir que isso não acontece.
    É lamentável... Assim como todo cantor, tem que ter uma história triste e sofrida de lutas e batalhas para crescer, me pergunto sempre, será que a veracidade nelas? Muitas delas, nem existiram...Mas o marketing do coitadinho que virou o ídolo vende discos e alavanca carreiras.
    Klaus, você é maravilhoso, escreveu maravilhosamente bem, canta lindamente, não desista do seu sonho. Faça o que te faz feliz e o que te deixa bem...

    Sucesso!

    Beijos

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