Aconteceu, nesta sexta feira, dia 18 de maio, em referência
à aprovação da lei que determina o fim dos hospitais psiquiátricos – a Lei
Basaglia –, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Estamos aqui falando de
processos políticos que visam transformações nos serviços psiquiátricos e
abertura para novos cenários de assistência psicossocial. Este movimento está
originalmente ligado à Reforma Sanitária Brasileira – da qual resultou a
criação do SUS –
e à experiência de desinstitucionalização
da Psiquiatria, desenvolvida por Franco Basaglia, na
Itália, nos década de 1960. Não pretendo alongar o assunto, entretanto, devido
à sua importância, recomendo a todos maior aprofundamento. As discussões no
campo da saúde mental não têm sido compartilhadas com o grande público e é
necessário tomar parte das mesmas. A Luta Antimanicomial é
um processo político e social complexo, composto de diversos atores, e, antes
de tudo, exige transformações de práticas, saberes, valores culturais e
sociais. Somente através do enfrentamento cotidiano dos desafios e conflitos
será possível um quadro de transformação. Procurem, em suas cidades, os Centros
de Apoio Psicossocial (CAPS) e se informem. A luta é diária e não pode parar!
Aqui no Top 10 faremos também a nossa homenagem à loucura. Listarei 10 canções sobre
esse tema, onde nem todas, é claro, falarão sobre ela diretamente. Tentarei deixar claro o motivo da escolha de cada uma delas num breve comentário, mas adianto que o critério de avaliação será o menos racional possível. Talvez a única norma seja a nacionalidade; escolherei canções brasileiras
– em português
– para que todos possam compartilhar, no melhor sentido do termo, o sentimento de loucura que elas me trazem. Estarei
plenamente pautado por minhas emoções e pelo modo com que estas são capazes de expressar a loucura proibida a todos nós. Boa "viagem" para todos!
‘Deixe
que eu respire o ar livre da rua
Sem
parar pra discutir
Deixe
que eu passeie minha loucura
Gentilmente
por aí’
"Gentil Loucura" é
a primeira faixa do disco inaugural do Skank, lançado em 1993. Acho
interessante a maneira como a questão da loucura é abordada nesta letra.
Percebo uma tentativa de conceber a loucura como inerente a todos nós,
relacionada ao desejo de viver livremente, conhecendo as próprias vontades e
fraquezas; jogar o que não presta fora, deixar de bancar o herói, descobrir o
que se é, e ser.
‘Preciso precisar
Preciso ser preciso
Preciso relaxar
Preciso do meu vício
Preciso encontrar
O fim do precipício, eu sei’
A música “Alucinação”,
presente no quarto álbum da banda Ls Jack, lançado no ano de 2003, traz a
questão da loucura em um sentido diferente, mais precisamente em referência ao sintoma
alucinatório, supostamente relacionado ao uso de drogas. Outras passagens da
letra dão pistas para uma possível referência aos efeitos do seu consumo, tais
como a visão nebulosa e confusão mental, gerando uma espécie de alucinação paranoica
paralela à realidade. É bom ressaltar que usuários de drogas também podem ser
considerados usuários dos serviços de saúde mental. No CAPS ad são prestados
serviços para pessoas com problemas relacionados ao uso de álcool ou outras
drogas, e geralmente estão disponíveis em cidades de médio porte.
‘Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?
Eu não vou me adaptar’
“Não Vou Me
Adaptar” é uma canção de Nando Reis, gravada pelos Titãs e por ele mesmo. A
letra não traz, em si, explicitamente, uma referência à loucura, mas acredito
que ao assistir esse clipe produzido pelos Os Insênicos – grupo baiano de teatro
formado por usuários dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), membros da
Associação Metamorfose Ambulante de Usuários e Familiares dos Serviços de Saúde
Mental (AMEA) e coordenado pela atriz Renata Berenstein – não restarão dúvidas
quanto a uma possível interpretação que envolve a exclusão da loucura e uma
sociedade que exige de quem é diferente uma cruel adaptação. Não me alongarei,
a música e o vídeo falam por si próprios.
‘Minha mãe me disse há tempo atrás
Onde você for Deus vai atrás
Deus vê sempre tudo que cê faz
Mas eu não via Deus
Achava assombração, mas...
Mas eu tinha medo!
Eu tinha medo!’
Onde você for Deus vai atrás
Deus vê sempre tudo que cê faz
Mas eu não via Deus
Achava assombração, mas...
Mas eu tinha medo!
Eu tinha medo!’
“Paranoia” é uma
das inúmeras canções geniais do Raul Seixas, geniais e polêmicas, como não
poderia deixar de ser. Raul aborda e alfineta o que vem a ser, possivelmente, ao
menos no que se refere ao ocidente, a maior loucura da história da humanidade:
Deus. Mais precisamente, o que parece estar em debate nesta canção é a tradiçãojudaico-cristã. Tal "filosofia", ao que tudo indica, é responsabilizada por encaminhar
a civilização ocidental a uma espécie de paranoia coletiva onde o elemento persecutório
não poderia causar mais angústia, já que é onipresente e onisciente. É claro que Raul
apresenta a questão de forma alegórica e satírica. A ideia de termos Deus nos
olhando até mesmo no banheiro é absolutamente surreal e, confesso, me faz dar
boas risadas.
'Malucos, somos iguais à diferença
e todos temos uma crença:
Seguir a lei jamais compensa
Malucos, somos a mola desse mundo,
Mas nunca iremos muito a fundo
Nesse dilema tão profundo'
e todos temos uma crença:
Seguir a lei jamais compensa
Malucos, somos a mola desse mundo,
Mas nunca iremos muito a fundo
Nesse dilema tão profundo'
“Hino dos
Malucos” é a tradução da costumeira loucura de Rita Lee. E talvez essa loucura esteja
nos faltando. Rita enaltece, nesta letra, a rebeldia, a quebra das leis que nos
oprimem através de uma suposta racionalidade conservadora, dominante,
reacionária. Os malucos são sim a mola do mundo, ao menos a mola revolucionária
que o mundo precisaria ter para ser menos normal, menos preconceituoso, menos
perverso. Um mundo simples, que respeite as diferenças e seja capaz de reconhecer
a genialidade daquele que não é, não pode, e nem precisa ser normal. Enquanto
isso, gritemos nos ouvidos dos surdos, estaremos nos ouvindo melhor e, quem
sabe um dia?, eles nos ouçam também.
'Não bulo com governo, com polícia, nem censura
É tudo gente fina, meu advogado jura.
Já pensou o dia em que o Papa se tocar
E sair pelado pela Itália a cantar?'
É tudo gente fina, meu advogado jura.
Já pensou o dia em que o Papa se tocar
E sair pelado pela Itália a cantar?'
“Quando Acabar o
Maluco Sou Eu”, de Raul Seixas, é realmente uma música muito louca. Eu não
saberia aqui fazer uma interpretação redondinha, e nem acredito que ele
desejasse isso. O mínimo que posso dizer é que com tanta coisa louca
acontecendo no mundo – e louca num sentido não muito legal –, ainda tem
aqueles que ousam chamar os loucos de loucos. É realmente incrível pensar que
em época de ditadura militar, com tantos brasileiros apoiando o regime, fosse o
Raul considerado louco. Mas, pensando bem, em uma situação dessas é muito
melhor ser louco; “Pai, afasta de mim esses normais”.
4º - Formidável Mundo Cão
4º - Formidável Mundo Cão
'Vamos destrancar as portas do hospício e as jaulas
do zoológico
Tirar das costas esse peso
No corre-corre de doidos e animais,
ninguém será capaz de apontar quem estava preso.
Vamos destrancar as grades do convento e as celas do presídio
Tirar das costas esse peso
No empurra-empurra de freiras e marginais,
Ninguém será capaz de apontar quem estava preso'
Tirar das costas esse peso
No corre-corre de doidos e animais,
ninguém será capaz de apontar quem estava preso.
Vamos destrancar as grades do convento e as celas do presídio
Tirar das costas esse peso
No empurra-empurra de freiras e marginais,
Ninguém será capaz de apontar quem estava preso'
“Formidável
Mundo Cão” conta uma história bem conhecida por todos nós, onde apenas mudam os
personagens principais. Apesar da alfinetada nos apóstolos-estelionatários-vendedores-de-livros-de-auto-ajuda, o que mais chama a minha atenção nesta formidável
música do Jay Vaquer é a direta e profunda reflexão acerca das instituiçõestotais, analisadas e problematizadas por autores como Goffman, Basaglia e Foucault.
Mesmos embaixo de nossos narizes, as semelhanças entre conventos, presídios,
hospícios, zoológicos e escolas tem passado desapercebidas, tanto no que se
refere às estruturas físicas como nas relações de poder estabelecidas. Neste mundo
cão, como diferenciar quem deve ou não estar trancafiado? Será que estes se
diferenciam, realmente, de muitos de nós?
Não tem ninguém que mereça
Não tem coração que esqueça
Não tem pé, não tem cabeça
Não dá pé, não é direito
Não foi nada, eu não fiz nada disso
E você fez um bicho de sete cabeças’
Não foi fácil
escolher a melhor versão de "Bicho de Sete Cabeças" para compartilhar aqui, se é
que existe alguma melhor entre tantas versões fantásticas. A dúvida ficou
mesmo entre uma versão mais recente de Zeca Baleiro
– usada no filme homônimo, dirigido Laís Bodanzky, em 2001, e estrelado por Rodrigo Santoro
–, com um dedilhado ao
violão muito expressivo e a versão original, do cantor e compositor da obra,
Geraldo Azevedo, com participação de Elba Ramalho. Acabei optando pela versão
original pela sobreposição de vozes que é feita em alguns trechos dá música. É
incrível como a sensação de ouvi-la é angustiantemente desesperadora. Talvez o
desespero dos incompreendidos, punidos e excluídos sem ao menos saberem por quê. É impossível não se perguntar quem realmente
vê o bicho de sete cabeças.
'Sim sou muito louco, não vou me curar
Já não sou o único que encontrou a paz
Mas louco é quem me diz
E não é feliz, eu sou feliz’
“Balada do Louco”
é um clássico sobre a loucura, dando-lhe um significado muito especial.
Originalmente gravada pelos Mutantes, ficou de herança para a cantora Rita Lee.
Ambas as interpretações são de grande sensibilidade e emocionantes. Pensar a
loucura como uma forma de estar no mundo como outra qualquer, em que é possível
existir alegria e felicidade, é uma mensagem que precisa ser passada sempre à
frente. A ideia de cura é ultrapassada. Deve-se cuidar para que aqueles que
sofrem de transtornos psíquicos recebam a atenção médica, psicológica e social
adequadas, onde o protagonista deve ser sempre o sujeito e não a sua doença.
'Enquanto você se esforça pra ser um sujeito normal
e fazer tudo igual...
Eu do meu lado aprendendo a ser louco
Maluco total, na loucura real'
“Maluco Beleza” não
é apenas a obra-prima de Raul Seixas, mas também a sua escolha de vida.
Escolher ser maluco é escolher a liberdade, a quebra dos padrões, dos
preconceitos. É escolher a rebeldia, a revolução, o novo, a utopia. É escolher
o amor, a paz, o respeito à diferença. É escolher ficar do lado do mais fraco
enquanto houver injustiça. É escolher aquilo que se quer perceber do mundo e retribuir
com o que o deixará mais belo. Para ser maluco não é preciso dinheiro, sangue
azul, poder ou religião. Essas coisas não passam de meras normalidades. Para
ser louco nada é preciso além do próprio desejo.
***
Espero que tenham gostado deste Top 10 especialmente dedicado à loucura. Deixe a sua opinião, crie a sua própria lista ou envie sugestões para as próximas publicações. Até a próxima!
faltou a clássica do Aerosmith - CRAZY
ResponderExcluirFalei na introdução que só selecionaria músicas em português, mano. Valeu! Abração!
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