domingo, 13 de março de 2011

A Máscara do Carnaval

As cinzas da quarta feira pairam sobre a cidade do Carnaval. Invisível, essa camada densa de poeira enfeitiça e distorce o real através de uma alegria enlatada. Torpor fabricado por grandes empresas de marketing e incorporado por milhares de foliões que ansiosamente esperam o próximo ano para mais uma semana de festa.

Não é novidade alguma dizer que o Carnaval de Salvador é único no mundo, mas é um engano pensar que tal peculiaridade se deve somente à sua beleza.  O fato é que o verdadeiro Carnaval foi substituído por uma ideia capitalista de Carnaval, onde a industrialização da cultura veste a fantasia de cultura popular e sob essa máscara tira do povo os seus direitos. Empresários assumem o posto de “donos” da festa, inventam cordas, abadás e camarotes. Criam passaportes para o luxo, status e poder e os verdadeiros donos são postos às margens da folia, instaurando-se a segregação.

Às vésperas de mais um Carnaval foi possível perceber a tensão que a maior festa de rua do planeta provoca na cidade. O trânsito se confunde com o próprio caos, as pessoas transbordam estresse e impaciência, a criminalidade e os assaltos aumentam. É comum ouvirmos por parte da mídia e das autoridades que a situação é diferente. Fala-se sobre aumento de empregos, turismo gerando movimentação na economia e outros diversos benefícios, além, é claro, da tão famosa alegria baiana. O não dito é que tais benefícios circulam principalmente nos bolsos da classe dominante e a alegria é privilégio de poucos.

O apartheid promovido pelo Carnaval de Salvador pode ser percebido facilmente por um olhar mais atento à sua estrutura. A divisão se dá basicamente por camarotes, blocos e pipoca. As regras são simples: quem pode pagar desfruta do conforto e segurança, quem não pode, se espreme entre os becos e vielas do circuito, tornando-se alvo da insegurança, violência e opressão policial. Neste ponto são comuns os discursos de preparação e eficiência da polícia e sua necessidade. Não nego tal necessidade, mas a intervenção policial será quase sempre a remediação para um setor social definitivamente abandonado e esquecido; a educação.

O investimento para a tão esperada semana é altíssimo. Uma fortuna é gasta principalmente com segurança, mas, pensando bem, segurança de quem? Ora, se um dos principais fatores que levam as pessoas a optarem por blocos ou camarotes é a violência, onde, então, mora o perigo? Na pipoca? Seria a resposta óbvia, se a questão fosse tão simples. Vamos, por hora, supor que a violência aconteça realmente com mais frequência na pipoca do Carnaval. Que fatores implicam nisso?

Não é difícil de notar que a estrutura do Carnaval toma como base as divisões socioeconômicas da cidade. Enquanto os blocos e camarotes têm como público as classes mais altas, formadas em sua maioria por brancos, as classes mais pobres, geralmente formadas por negros, concentram-se na pipoca e se tornam os bodes expiatórios das acusações de violência e criminalidade. Numa reflexão mais profunda, percebe-se que a exclusão é um ponto importante nessa questão. A violência nada mais é que uma das consequências dessa exclusão, do sistema educacional precário e de tantos outros direitos negados ao povo, a começar pela própria festa usurpada e pelos impostos que não lhe garantem educação alguma, mas se revertem em investimentos para a segurança dos usurpadores, os ditos “cidadãos de bem”. O consumo excessivo de álcool aparece como outro motivador para as brigas e violência, mas esse fato não deixa de ser apenas mais um indicador da deficiente educação do país e da fragilidade do consumidor diante campanhas publicitárias de cerveja e outras bebidas.

17 comentários:

  1. Muito boa crítica sobre o carnaval. De fato, em meio a folia carnavalesca, dificilmente é lembrada a questão social importantissima existente na festa. Há muito a deturpação do carnaval existe e o interesse na crítica tem sido menos do que mínimo. Parabéns! :)

    ResponderExcluir
  2. Parabéns Klaus, pelas críticas ao carnaval. Realmente td é uma jogada de marketing, onde só os poderosos imperam, onde só os ricos se sobressaem, tudo é realmente uma máscara de alegria, onde na realidade todos trabalham em favor dos seus próprios lucros como vc citou. Ninguém está preoculpado com EDUCAÇÃO, com a VIOLÊNCIA que só cresce, com as DOENÇAS que são adquiridas em uma festa como essa, com o preconceito a quem tem menos poder aquisitivo, com a vida das pessoas em geral. Com certeza vale o GRITO de liberdade a tudo isso.
    Parabéns meu querido por todos os assuntos que abordou.

    Aninha

    ResponderExcluir
  3. Texto exato, Klaus. Penso muito parecido. Tanto que este ano fugi para um recanto tranquilo à beira mar, nem mesmo liguei a tevê.
    Abraços. Fiquei comovido com sua sensibilidade.

    www.ofalcaomaltes.blogspot.com

    ResponderExcluir
  4. "...a intervenção policial será quase sempre a remediação para um setor social definitivamente abandonado e esquecido; a educação."

    Não concordo,como sempre, com algumas coisas (problema meu, hehe). Eu não acho que exista policial para baixar o fogo do povo que agride por falta de uma educação de alto nível e vou mostrar por A+B que não estou sendo cego!

    As vezes custamos a acreditar que o ser humano pode ser tão sujo e teimoso, vejamos:

    Aqui no Brasil é uma prova de que o povo pensa que é imune a certas coisas por culpa da impunidade cultural (acabei de inventar o termo). A cerveja é vendida e as pessoas faturam, consomem e tudo mais, aí nego vai dirigir a porra do carro e bate. A culpa é da cerveja ou do teimoso que pensou "nada vai rolar, ja fiz isso outras vezes."?
    Existe conscientização em massa pra isso!

    A violência é culpa da falta de caráter do humano, existem pessoas muito sujas e covardes nesse país (e no mundo). Digo isso baseado nas brigas de torcidas em países como a Inglaterra que tem um alto nível de educação e nem por isso a policia deixa de resolver.

    Irmão, existem muitos "corações" podres nesse mundo.

    ResponderExcluir
  5. [Continuação]

    Eu concordo com muito do que você disse e venho te convidar a pensar em algumas coisas do nosso carnaval que são culturais. Eu poderia fazer um blog e parar de escrever aqui né? kkkk

    A segregação sempre existiu no Carnaval e isso é fato!

    Ouvimos dizer que o carnaval de rua foi inventado por 3 homens e uma fubica que tocava sem parar, mas antes disso existiam os clubes com bailes de carnaval. Gente da elite (branca ou negra) frequentava esse ambiente que ja era regado a drogas (lança perfume, loló) e bebidas. Povos se misturando? Jamé!Cada um em seu canto e com o passar dos tempos e a fama do carnaval de rua, os clubes começaram a serem chatos e enjoados e grupos ou clubes específicos que hoje são blocos surgiram.
    Digamos que os clubes privados de ontem são os camarotes de hoje - Gente de um mesmo contexto que convive em um ambiente próprio.
    Os clubes de rua não era qualquer um que entrava. Os grupos afros só receberam brancos no final do século passado e alguns grupos carnvalescos não aceitavam negros ainda em 90. Pire aí!

    Mas a sorte é que o povo baiano é ousado e sempre arranja um jeito de conviver com as diferenças por um período, a origem da nossa pipoca.

    A violência vem do descarrego de frustrações e emoções, fácil de explicar e difícil de conviver. Antes existia a boa educação DOMÉSTICA. Hoje, nem Deus segura tanto.

    A verdade é que "a verdade" é bem contada a partir dos olhos de quem vê ou daquilo que prefere não dizer.

    Abraços e continue mandando bem.

    ResponderExcluir
  6. O texto apresenta um olhar diferenciado a uma festa tida para muitos como a melhor do ano. Boas críticas e espero que possamos todos entender a profundidade do que é questionado, e parabéns pelo belo texto.

    ResponderExcluir
  7. Fico muito feliz com os comentários. O debate está fluindo e só temos a ganhar com isso!
    Obrigado Nanda, Ana, Antônio, Junio e Beth.

    Ao meu querido Junio, que sempre apimenta as discussões com sua colocações, digo que pessoas maldosas, teimosas, ou sujas são pessoas que se TORNARAM maldosas, teimosas ou sujas. Quando cito a educação, me refiro a uma educação cultural que enfoque os valores sociais. Creio que ela é capaz de previnir, ou pelo menos amenizar, comportamentos nocivos à sociedade e diminuir a necessidade de remediação policial.

    ResponderExcluir
  8. Sobre os antigos carnavais em Clubes, estou totalmente de acordo. Não defendo um regresso ao perfil de outrora, mas um progresso na direção da extinção da segregação. Entendo que uma educação crítica, reflexiva e conscientizadora pode ajudar muito em todas essas questões. Da violência por exclusão social aos acidentes de trânsito por consumo excessivo de álcool.


    E trate de criar o seu blog! hahaha

    ResponderExcluir
  9. Valeu, Natan!
    Obrigado pela participação, mais uma vez!
    Realmente pensamos parecido. Fico feliz que mais pessoas estejam divulgando esse ponto de vista.
    Manda o link do seu blog pra eu divulgar aqui.
    Abração!

    ResponderExcluir
  10. E digo mais: Esse modelo de carnaval não vai durar muito tempo. Grave oq to dizendo!

    Ate pensei em fazer um e tive umas idéias,mas me falta um nome ou identidade (se bem q n preciso de identidade).

    Coming soon...

    ResponderExcluir
  11. e que fujam as mulheres maravilha!!! segregar a ordem do acarnenadavale soteropolitano atual é essa, mas é lindo ver tanta gente reunida, até o momento em que a ficha cai e se cristaliza a verdadeira face de uma farsa chamada cranaval de todos. vamos fazer uma coisa? empurramos o povo contra a parede, o povo se revolta e bate no povo, no ano seguinte o povo diz só vou se for de bloco e aí os nossos bolsos que já estão cheios da grana dos gringos e burgueses enchem mais um pouco com a grana desses coitados que tem como fonte de vida a indiferença frente a posição que ocupam.

    ResponderExcluir
  12. Oi, estou seguindo seu blog; aguardo vc no meu

    ResponderExcluir
  13. Gostei muito de ler seu post...

    Quando vejo pela TV, o Carnaval das ruas de Salvador penso que os baianos são quem mais sofrem, vendo sua cidade lotada de turistas que muitas vezes não respeitam as pessoas...

    Ainda bem que nem todos são alienados e têm a coragem de escrever o que pensam...

    ResponderExcluir
  14. Realmente o carnaval não perde sua beleza por nada , mais ele esta se tornando cada vez mais capitalista sim , vc esta coberto de razão , tem toda um divisão de grupos e de créditos no carnaval .
    ótima reflexão.
    Estou te seguindo
    Gostaria que se possivel vc me seguisse tbm
    TEM SELOS PARA VC LÁ NO MEU BLOG
    o selo é destinado a todos os meus seguidores.
    www.jogandonaparede.blogspot.com

    ResponderExcluir
  15. Léo, Dona Ana, Bia e Alan, muito obrigado pelos comentários e participação!

    Fico feliz por saber que mais pessoas pensam dessa forma e que ainda existem pessoas olhando a realidade criticamente.

    Até a próxima!

    ResponderExcluir
  16. é tão bom saber que tem gente pensando nesse país, ja tinha ouvido falar sobre essas coisas, mas obrigado pela clareza e crítica de seu texto, formentando opiniões que ja venho alimentando há algum tempo. concordo em genero, numero e grau...

    ResponderExcluir

Enquanto um espaço que se pretende democrático, este blog não apresenta moderação nos comentários. Pede-se, com isso, que postagens de caráter abusivo, ofensivo, intolerante, racista, homofóbico, ou que exponha de qualquer maneira os usuários, sejam evitados a fim de que a liberdade e os direitos permaneçam iguais para todos e o exercício da democracia seja mantido. Obrigado pela visita!