quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Festival de Verão 2012

Desde 1999, Salvador é palco de um dos maiores festivais de música popular do país. Com todas as suas edições realizadas no Parque de Exposições Agropecuárias da cidade, o Festival de Verão foi idealizado pela IContent, empresa do grupo Rede Bahia, a princípio, em comemoração aos 450 anos da capital baiana. Apostando em uma estrutura grandiosa e na mistura de gêneros musicais, o evento consolidou-se no calendário do verão brasileiro principalmente pelo renomado elenco de artistas nacionais e internacionais envolvidos. Palcos secundários e tendas alternativas completam a lista de atrativos.
É bem verdade que determinadas mudanças aconteceram e a reputação construída pelo festival ao longo de quase uma década e meia de existência ficou comprometida. O elevado aumento do valor do ingresso, a redução dos dias de festa, o declínio na qualidade das atrações e a homogeneidade dos estilos, características negativas escancaradas do seu formato atual, são motivos de desânimo e desinteresse por parte do público. Presente nas edições de 2003, 2004 e 2006, é fácil recordar o preço acessível dos ingressos e a facilidade que um grupo de jovens estudantes tinha para escolher, democraticamente, um dia capaz de satisfazer as suas preferências. Qualquer que fosse a escolha, havia, de certo, pelo menos um grande nome da música nacional com apresentação confirmada no palco principal; Lulu Santos, Engenheiros do Havaí, Skank, Os Paralamas do Sucesso e Roupa Nova são apenas algumas das atrações a quem tive a honra de assistir. Além destes, já tiveram cadeira cativa ou simplesmente passaram pelo festival: Djavan, Titãs, O Rappa, Caetano Veloso, Capital Inicial, Cidade Negra, Jota Quest, Biquini Cavadão, Carlinhos Brown, Charlie Brown Jr., Kid Abelha, Jorge Aragão, Gilberto Gil, Zélia Duncan, Los Hermanos, Sepultura, Barão Vermelho, Arnaldo Antunes, Nando Reis, Luiz Caldas e A Cor do Som.

James Blunt © 2010 Andrew Zaeh / All Rights Reserved.
As atrações internacionais sempre foram um espetáculo a parte no Festival de Verão. O surpreendente anúncio de três artistas de outros países logo na segunda edição causou grande rebuliço na cidade e serviu como prova definitiva das intenções ambiciosas dos produtores. Em contrapartida à queda da qualidade das bandas nacionais convidadas nos últimos anos, o selecionado estrangeiro manteve-se dentro de um padrão médio de qualidade/popularidade digno de qualquer outro respeitado festival de música. A presença de artistas como Gloria Gaynor, Men at Work, Eagle-Eye Cherry, Fatboy Slim, Ben Harper, Manu Chao, Westlife, Alanis Morissette, Akon e Jason Mraz garantiram adesão massiva da população soteropolitana e, é claro, retorno saliente ao pesado investimento. O coringa da vez é o cantor britânico James Blunt; conhecido no Brasil através das canções “You’re Beautiful” e “Same Mistake”, Blunt parece ser uma atração interessante para dar continuidade à lista de talentosos artistas internacionais que já passaram por aqui.

Analisando o Festival de Verão de Salvador por uma lente crítica, há de se observar, no entanto, certo padrão no perfil dos artistas presentes em sua grade ao longo das edições. Apesar da mistura de ritmos, gêneros e nacionalidades, – obstinadamente reforçadas nas campanhas publicitárias – o estreito laço com a grande indústria do mercado fonográfico dá a qualquer evento desse tipo um quê de monopólio, diga-se de passagem, dificilmente perceptível. Não se trata aqui de negar a qualidade de grande parte dos artistas do mainstream presentes nesses festivais, mas sim de chamar a atenção do leitor para o fato de que o Festival de Verão corresponde, inexoravelmente, a interesses privados. Seu principal desígnio é a simples transformação do capital investido em lucro. Nenhuma atração da grade é escolhida aleatoriamente, como às vezes pode parecer; seja de qualidade ou não, todos esses artistas pertencem ao rol de importantes gravadoras.

Devemos ser honestos e reconhecer a esperteza dessa estratégia. A princípio, os grandes empresários do ramo monopolizam os veículos de informação. Qualquer meio que possa servir a um artista é controlado por eles e a eles o artista deve servir se, porventura, desejar mostrar seu trabalho ao grande público. Com as portas fechadas para a maioria, seguindo a lógica estrutural do sistema, esses senhores não têm nem mesmo o trabalho de caçar talentos. A competição se torna espontânea e aqueles que mais se destacarem em seus guetos receberão a disputada atenção do mercado. Dada essa configuração, as gravadoras gozam do privilégio e do conforto de ter, inteiramente ao seu dispor, o que há de melhor, de mais diverso e de mais popular. Não há situação, moda ou época do ano onde os seus produtos não se encaixem. De forma geral, a população se torna refém dessas ações e se vê condicionada a consumir justamente o que eles têm para vender. No Festival de Verão, por exemplo, a preferência por determinados nomes não passa de uma simples especulação mercadológica. Partindo da constatação óbvia de que as gravadoras possuem os artistas mais benquistos, nenhum produtor vai contratar artistas desconhecidos pela massa e correr riscos de prejuízo. Nem é preciso ser de fato um anônimo para ficar de fora. Artistas de grande valor como Chico César, Tom Zé ou Hermeto Pascoal não fazem o perfil privilegiado pelo mercado e seus trabalhos de riquíssimo conteúdo, infelizmente, são acessíveis apenas a uma aristocrática minoria.

Difundida no seio da revolução industrial, a cultura pop, algumas vezes, assim como outras mercadorias, se pretende descartável e de largo alcance. Do ponto de vista empresarial é estrategicamente eficaz, a cada ano, trazer para o palco do festival como grande trunfo as bandas que estão nas paradas de sucesso. Essa rotatividade anual é garantida pelo enorme exército de reserva à disposição. Quando se tem muita gente na fila é mais fácil barganhar os custos de investimento com os novatos do show business, explorando o certeiro e altíssimo retorno financeiro; a parceria entre os produtores de eventos e gravadoras não poderia ter melhores resultados.

A interferência do que está nas paradas de sucesso é de tamanha relevância que já é possível perceber a descaracterização do que era tido como a essência do Festival de Verão. A grade de 2012 dá todos os sinais de que a diversidade musical de outrora não tem mais tanto espaço. Os resquícios que ainda podem ser vistos nos palcos alternativos são insuficientes perante o domínio expressivo das músicas “universitárias” e do Axé Music no palco principal. Esses dois segmentos não só refletem muito bem quais são os nichos de mercado atualmente explorados na Bahia como também se revelam como colheita de uma incessante imposição das mídias de massa. Dentre as 20 principais atrações, somente ¼ delas (Capital Inicial, Frejat, James Blunt, Seu Jorge e Vanessa da Mata) representa outros gêneros musicais.  Ao que tudo indica, o tradicional evento do verão não passa de um grande ensaio e exposição do que está por vir no Carnaval. A festa, que também perdeu suas características e agora não passada de um evento privado em avenidas públicas, ao abrir espaço para o forró e o sertanejo universitário, por exemplo, tem servido como poderosa fonte de arrecadação pela indústria fonográfica.


Do lado do povo, a situação é complicada. Cercado pelas influências da mídia torna-se difícil o contato com artistas da cena independente. Poucos produtores ousam produzir eventos culturais alternativos e a baixa adesão muitas vezes justifica o preço alto dos ingressos. O entretenimento oferecido pela indústria de massa é mais barato, mais frequente e amplamente difundido nos meios de comunicação que eles mesmos controlam. O resultado disso é a natural procura do povo por aquilo que aprendeu a apreciar. Toda preferência é dada ao artista de grande sucesso por que o seu sucesso, de maneira inversa, é usado como prova da sua qualidade.

A posição passiva para onde essa estrutura pretende nos levar se faz cada vez mais concreta ao passo em que aceitamos de maneira inerte as programações de rádio, os bonitinhos das tardes de domingo e os sucessos do verão. A indústria cultural tem ditado o que devemos ouvir e nem ao menos temos nos esforçado para procurar vida inteligente além daquilo que eles já mastigaram e agora empurram por nossas gargantas. Como na síndrome de Estocolmo, estamos nos tornando reféns apaixonados pelos próprios algozes, abrindo os braços para recepcionar uma sutil dominação intelectual e nos afastando da liberdade que deveria ser essencial.  Sem maiores expectativas para o Festival de Verão deste ano, resta-me esperar um bom debate com vocês. Sintam-se a vontade para contar suas experiências, opiniões e o que esperam dos shows. Daqueles que irão se juntar à multidão, desejo que aproveitem a oportunidade para analisar a festa e, é claro, divirtam-se!

5 comentários:

  1. Eu não tive a oportunidade de estar em nenhum festival gostaria muito principalmente de ir no dia de hj hehehe mais como querer não é poder... agora sobre a sua postagem gostei muito como sempre usando bem as palavras fazendo com que entendemos mais sobre o assunto cada dia estou mais fã do blog parabéns :)

    ResponderExcluir
  2. Mas você está cada vez melhor. =)
    Morro de orgulho por ter a sorte de ter você em minha vida. Já aprendi muito com vc, e espero continuar aprendendo por muito e muito tempo.
    Você simplesmente... é o melhor!

    ResponderExcluir
  3. Obrigado, meninas. É sempre um prazer ver seus comentários aqui. Muito obrigado por estarem acompanhando o desenvolvimento do blog e participando sempre.
    Grande beijo!

    ResponderExcluir
  4. Parabéns Klaus mais uma vez pelo texto. Muito bom!!! Desejo que a cada nova postagem e a cada assunto abordado aqui, sejam sempre ricos assim em informações e com clareza, onde se faz refletir e enxergar melhor a realidade.
    Apesar da grande diversão que muitos ainda acham, realmente existe muita coisa por trás.
    Parabéns mais uma vez pelo blog e pelos ótimos textos!

    Abraços

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi, Aninha! Realmente é uma diversão maravilhosa. Gostaria de assistir algumas bandas e, quem sabe um dia?, subir ao palco, entretanto, isso não nega o fato de que o festival poderia ser melhor em alguns aspectos. Valeu pela participação, mais uma vez. Até a próxima!

      Excluir

Enquanto um espaço que se pretende democrático, este blog não apresenta moderação nos comentários. Pede-se, com isso, que postagens de caráter abusivo, ofensivo, intolerante, racista, homofóbico, ou que exponha de qualquer maneira os usuários, sejam evitados a fim de que a liberdade e os direitos permaneçam iguais para todos e o exercício da democracia seja mantido. Obrigado pela visita!